segunda-feira, 16 de maio de 2016

Ansiedade infantil: por que precisamos ensinar as crianças a esperar


Ansiedade infantil: por que precisamos ensinar as crianças a esperar

Será que estamos criando pequenos cada vez mais impacientes? Entenda quais as consequências disso e o que você pode fazer para ajudá-los a serem menos ansiosos


Sabe aquela clássica cena da família jantando no restaurante enquanto a única criança da mesa está completamente alheia à conversa, hipnotizada por algum desenho no celular? Ou então aquela de uma mãe morrendo de vergonha e colocando qualquer coisa no carrinho, só para o filho parar de espernear no meio do supermercado e ir logo para casa? Pois é, elas acontecem - e muito!

Fazer birra é um comportamento normal das crianças, afinal, faz parte da infância testar os limites. A questão é que, com a tecnologia cada vez mais ao alcance das (pequeninas) mãos, a paciência está virando artigo de luxo. "Vivemos num contexto em que tudo se resolve muito rapidamente com apenas um clique. Os avanços tecnológicos fazem com que as crianças cresçam num mundo em que as coisas acontecem na hora em que elas querem. Não precisam nem esperar o desenho preferido na TV, já que assistem quando têm vontade e na plataforma que preferem", explica Roberta Bento, especialista em aprendizagem baseada no funcionamento do cérebro pela Universidade da Califórnia e Duke University; e em aprendizagem cooperativa pelas Universidades de Minnesota e de San Diego.

Além da questão tecnológica, a formação das famílias atuais também influencia nessa pressa que os pequenos têm para serem atendidos. "Antigamente, tinha-se mais filhos e até nas refeições era preciso esperar a sua vez de ser servido. Hoje, é cada vez mais comum que os casais tenham só uma criança, que sempre tem tudo na hora que quer", lembra a especialista, que completa: "elas vivem num mundo que parece ser totalmente adaptado e pronto para os seus desejos".

Como ensinar os filhos a esperar

Não adianta, não tem cartilha ou fórmula mágica para criar filhos mais pacientes - esse é um exercício diário, que deve ser trabalhado naquelas pequenas situações do cotidiano. Por exemplo, ao invés de aproveitar enquanto as crianças estão na escola para ir ao supermercado, vá com elas fazer as compras e explique o que vocês estão fazendo. "Na sala de espera de um consultório médico, invente alguma brincadeira para passar o tempo, que não envolva um celular. Brinque de procurar letras, de encontrar objetos de determinada cor… Aproveite para conversar com seu filho", aconselha Roberta.

E não custa lembrar: o comportamento da criança na rua, na escola, nos restaurantes e em todos os outros ambientes que ela frequenta é apenas um reflexo de como ela vive em casa e, claro, de como os pais se comportam. Portanto, não adianta esperar que seu filho saiba esperar se, em casa, ele tem tudo quando deseja e se vê os adultos na maior correria a todo momento. Além disso, é preciso ter consciência de que a paciência precisa ser ensinada. "Essa não é mais uma competência que se desenvolve sozinha e não é interessante que os pais pensem que, dado o contexto atual, ela é desnecessária, já que tudo acontece muito rápido. É preciso que eles se empenhem dia a dia", ressalta a especialista.

Por que eles precisam ter paciência

Uma criança que é ensinada a esperar se torna uma pessoa mais educada, pois ao entender que o mundo não gira ao seu redor, ela cresce menos egocêntrica e vive melhor em sociedade. Ela aprende, por exemplo, que é preciso deixar as pessoas saírem do metrô antes de entrar e que as coisas passam por um processo antes de acontecer - a comida não fica pronta por mágica e não chegamos à praia de uma hora para outra. Tudo leva tempo e é preciso saber lidar com isso.

Criar filhos menos ansiosos também ajuda no aprendizado, já que eles conseguem parar para ouvir e, então, formular argumentos. "Os pequenos mais pacientes também conversam melhor, já que conseguem esperar o tempo de fala do outro para poder responder - e estabelecer essa linha de raciocínio demanda muita paciência. Além disso, a criança aprende a considerar o outro e, assim, a respeitar as diferenças", destaca Roberta.

A importância do tédio

Natação, inglês, judô, futebol, balé… A agenda dos pequenos parece estar cada vez mais cheia de atividades e o tempo livre - aquela famosa horinha de não fazer nada - está ficando raro. "Nós percebemos uma angústia dos pais em nunca deixar as crianças entediadas, mas a verdade é que elas precisam lidar com isso. Vivenciar o tédio é bom porque ele gera a necessidade da criatividade para fazer alguma coisa interessante, além de possibilitar um descanso ao cérebro", finaliza Roberta. Portanto, chegar a um equilíbrio é fundamental e trabalhar a ansiedade aos poucos dentro de casa é um caminho para criar filhos mais pacientes e preparados para viver bem em sociedade.

28/04/2016 11:15 
Texto Carla Leonardi, Bebê.com.br
Fonte:http://educarparacrescer.abril.com.br/comportamento/ansiedade-infantil-precisamos-ensinar-criancas-esperar-947044.shtml

terça-feira, 10 de maio de 2016

A morte do filho idealizado

A morte do filho idealizado

Em um depoimento impactante sobre a morte simbólica e seu luto, a psicóloga Elaine Gomes dos Reis Alves narra sua experiência de mãe de uma filha com deficiência e o processo solitário e doloroso do luto "não autorizado" da morte do filho idealizado

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Existem dois tipos de morte: concreta e simbólica. A morte concreta é quando uma pessoa morre e desaparece para sempre. A morte simbólica, ou morte em vida, são rupturas que ocorrem durante a vida do ser humano e deflagram o mesmo processo de luto da morte concreta”. Separações, perda de emprego, aposentadoria, mudanças de cidades, mutilações, entre as diversas formas de mortes simbólicas com as quais nos deparamos, uma é particularmente concreta na vida da psicóloga Elaine Gomes dos Reis Alves: a morte do filho idealizado. Mãe de uma filha com deficiência, Beatriz, hoje com 29 anos, Elaine viveu na pele esse luto “não autorizado”: “Quando morre o filho idealizado, surge a dor, a angústia, o desespero, o medo, a tristeza: o luto. ”, descreve a psicóloga em um depoimento impactante sobre o tema, que é ainda mais cercado de tabu do que o luto pelas mortes concretas. “O filho está lá”, prossegue. “É outro, completamente diferente do que foi desejado, mas está lá, e o casal (muitas vezes somente a mãe) não tem autorização para chorar e ficar de luto pelo filho que morreu (…) A cobrança mais comum é de que, imediatamente, os pais aceitem, amem e cuidem desse “filho inesperado”, esse filho que não era esperado, idealizado, e muito menos, desejado”.
Para que possamos entender a morte de um filho idealizado e não julgar os pais que passam por isso, reproduzimos aqui alguns trechos do depoimento comovente que a Dra Elaine publicou em uma revista acadêmica.
Eu tive uma filha perfeita.
A cada visita que chegava à maternidade, um sonho era compartilhado. Quando minha prima – e grande amiga – chegou para conhecer o bebê, nós duas organizamos o aniversário de 15 anos da minha menina, tal era a confiança, de que tudo correria bem.
Beatriz sempre foi muito simpática e risonha, começou a sentar e engatinhar entre seis e sete meses e se desenvolveu normalmente até oito meses. Nessa idade, seu desenvolvimento parou de avançar. Com um ano, ainda emitia um som gutural, não havia nenhum “papa” ou “mama” e ainda estava muito longe de começa a andar.
Aos 8 meses, expus minhas observações e dúvidas ao pediatra que achou muito cedo para preocupações e pediu que esperasse até que ela completasse um ano. Apesar do medo, me apeguei a isso e esperei (…)
(…) A Beatriz começou a fazer fisioterapia com um ano e dois meses, terapia ocupacional com um ano e quatro meses e fonoaudiologia com uma ano e seis meses. Ela ainda não tinha indicação médica para esses tratamentos e eu precisava assinar um “termo de responsabilidade” já que tais procedimentos ‘não eram necessários”.
No segundo ano de vida dela, passei por otoneurologista, foniatra, geneticista, alguns neurologistas e outros profissionais. Vários exames foram realizados sem que nenhum acusasse qualquer coisa. A maioria dos profissionais considerou que a criança estava dentro da media e que a mãe era ansiosa.
Finalmente, com um ano e onze meses, os atrasos de desenvolvimento foram considerados: tomografia computadorizada e ressonância magnética foram solicitadas e… nada. Exames normais.
Só tinha um detalhe: aos dois anos, a Beatriz não andava e não falava.
Quando comecei a perceber um déficit no desenvolvimento da minha filha, entrei em um misto de sentimentos. Queria acreditar nos médicos e aceitar que estava tudo normal e tinha um medo enorme de estar perdendo tempo.
Eu sentia angústia, tristeza, ansiedade, frustração, medo e dor. Uma dor no meio do peito, um buraco sem fundo que eu não sabia explicar. A impressão era de que alguém rasgava meu peito, apertava meu coração, pulmões e estômago contra minhas constelas e, apesar daquele buraco aberto e exposto, ninguém via ou tomava cuidado. Eu queria compartilhar, mas parecia não haver ninguém disposto a ouvir, afinal sempre tinha alguém com um “problema de verdade”.
Nessa época, chegou às minhas mãos o livro Anjos de Barro: histórias de Pais e Filhos Especiais, de José Maria Mayrink, e a primeira história que li foi de uma menina chamada Beatriz. ‘Seria um sinal?”. Chorei a noite inteira. Daí em diante, entrei na Biblioteca da APAE e passei a ler depoimentos de pais e livros sobre ter um filho especial. E como eu chorava!
Lembro-me de dizer pra ela; “eu amo você, mas não aceito que você não ande e não fale“. À noite, quando me deitava, rezava pedindo para que, quando eu acordasse, a Beatriz fosse como as outras crianças da idade dela. No dia seguinte, nada tinha mudado.
O segundo e o terceiro anos dela eu praticamente não vi passar, pois estava muito ocupada correndo contra o tempo e acreditando que se eu me esforçasse bastante e fizesse com ela todos os tratamentos disponíveis, eu recuperaria o tempo perdido. Fase da barganha para Kübler-Ross (*) e que eu também chamo de Fase do Milagre.
Não me envergonho de dizer que nessa época fiz praticamente tudo o que diziam que seria bom – convencional ou não – desde que não fosse arriscado demais. Podia parecer a maior de todas as bobagens, mas quando eu ficava sozinha pensava: “e se for verdade e eu não fiz?”então lá ia eu, literalmente em busca do milagre: orações de todas as religiões, benzedeiras, curandeiros; tomar água no sino da vaca, da primeira chuva do ano, com casca de cigarra, de concha; (…) Também conheci alguns vigaristas e esses cobram um preço absurdo.
Há também a questão da culpa. Eu me perguntava o que poderia ter feito. Os profissionais de saúde perguntavam se eu tinha feito ou tomado alguma coisa, se eu não estava esquecendo de nada. Minha mãe também queria saber o que eu poderia ter feito e, a maioria das pessoas, conhecidas ou não, também questionavam se tinha acontecido “algo” durante a gravidez. Ou seja: a culpa era minha!
Eu queria falar sobre o que acontecia e desejava que as pessoas ouvissem, validassem a dor que eu sentia e me dessem colo, mas geralmente diziam coisas do tipo: “Deus não dá nada que você não pode carregar!” “essas crianças só vêm pra pessoas muito especiais”; “a lã não pesa para o carneiro”; “Deus escolheu você””é a sua cruz” “você escolheu isso antes de nascer”. Ou seja: era um presente!
A sensação era de total solidão. Havia cansaço também, mas eu não podia parar, não podia perder tempo. Por outro lado, tinha vontade de ficar deitada no escuro com olhos fechados, quietinha, mas isso não estava no script.
O acolhimento aconteceu na sala de espera das clínicas de tratamentos que a Beatriz freqüentava. Enquanto ela fazia as terapias, eu aguardava com outras mães. Lá falávamos de nossas experiências com médicos, tratamentos, familiares, escolas e sociedade: frustrações, solidão, conquistas, sentimentos, preconceitos, tratamentos, ervas, receitas, maridos, filhos, passeios, enfim, um mundo em que viviam e circulavam pessoas com deficiências e o que essas famílias enfrentavam. Encontrei pessoas que sabiam o que eu sentia, respeitavam e ouviam. Lá, via crianças em condições que eu considerava melhor, igual ou pior que a da Beatriz, e mães que estavam em diferentes estágios de enfrentamento daquela realidade.
Foi na sala de espera que eu fiz a minha difícil digestão de ter uma filha com deficiência. A sala de espera e aquelas mulheres me fortaleceram e lá, eu consegui emergir do luto pela minha filha idealizada e morta. Lá eu gestei e dei à luz a Beatriz.
O início
O Processo de luto
(A íntegra do depoimento da Dra Elaine Gomes dos Reis Alves foi publicado na revista O Mundo da Saúde – periódico científico publicado pelo Centro Universitário São Camilo)
Fonte:http://vamosfalarsobreoluto.com.br/2016/05/09/a-morte-do-filho-idealizado/